Empresas experimentam aprendizados e dores e contam as vantagens de investir em veículos elétricos enquanto a infraestrutura é apenas um dos entraves.
A preocupação com a descarbonização e as metas ESG incentivam empresas a investirem em frotas elétricas. A infraestrutura é uma dor comum, mas há outros desafios e também soluções que foram discutidos no painel “O que grandes empresas aprenderam sobre gerenciar frotas de veículos elétricos” no Automotive Business Experience – #ABX24.
De um lado, um marketplace que distribui produtos e viu sua frota elétrica evoluir nos últimos dois anos e está em franca expansão no Brasil. De outro, uma rede de drogarias que traçou metas e eletrificou sua frota de distribuição interna. Amarrando esses dois players, uma provedora de soluções em infraestrutura.
O Mercado Livre tem hoje quase 1.500 veículos elétricos, a maioria vans pequenas e grandes, usados no last mile, o carro que vai até a casa das pessoas, em grandes centros urbanos, e que faz entregas compactas e em zonas densas. A empresa também opera a primeira milha, menos conhecida, que é aquela que vai na casa ou na empresa do vendedor e coleta esses pacotes para fazer a entrega.
“Começamos em 2019, com cinco carros da JAC, que inclusive funcionam muito bem até hoje, e estamos aumentando ao longo dos anos, um salto de dois anos para cá. Fui de 300 carros para 800, depois 1 mil, 1.200 e a gente deve ter 3 mil até o fim do ano que vem”, conta Alex Fontes, gerente sênior de logística Latam do Mercado Livre.
O Grupo Raia Drogasil (GRD), rede de drogarias, começou a experiência com frota elétrica em 2021, com apenas um veículo de uma transportadora. Gostaram da experiência e alugaram seis veículos, sendo que cinco deles, da JAC, até hoje operam.
Para este ano, a meta é fechar com 30 veículos e dobrar esse volume em 2025. A frota elétrica da companhia é usada para fazer o abastecimento das farmácias.
O grupo vai finalizar o ano com 3.200 farmácias. Boa parte delas está em um raio de atuação próximo aos 15 centros de distribuição, em torno de 100 a 200 quilômetros.
“Usamos no middle mile para abastecimento das nossas farmácias de acordo com a autonomia dos veículos”, afirma Eduardo da Silva Pereira, diretor de transportes da Raia Drogasil.
A Eletricus, por sua vez, é quem cria a estrutura para que essas companhias possam operar os veículos elétricos. A empresa, hoje parte do Grupo Ultra, surgiu em 2019 de olho em uma demanda específica nesse setor de frotas elétricas.
“Percebemos que faltava no mercado alguém que entregasse a solução completa. Porque tem carregador, tem veículo, mas muitas vezes não tem a infraestrutura. Vamos desde as interferências junto à concessionária de energia para mudar e adequar o padrão, até encontrar uma solução que consiga ser mais rápida”, diz Evandro Mendes, CEO da Eletricus.
No caso do Mercado Livre, os desafios da frota elétrica foram maiores. Já que não se trata de um empresa de logística. O que resultou em diversos aprendizados.
“Tivemos que aprender na marra. Tudo para a gente é surpresa, como descobrir que treinamento de motorista é importante, senão ele gasta o pneu em muito menos tempo do que em um veículo a combustão”, explica Fontes.
“Depois, descobrimos que temos o carro elétrico, o carregador, mas não temos a energia na tensão, na amperagem que precisamos. Aí, no contato com o provedor de energia, descobrimos que há um prazo de 210 dias para adaptação de uma rede elétrica”, completa o executivo.
Além disso tudo, a maior dor do Mercado Livre foi onde colocar esses carros. Seu modelo de entrega é baseado em service center e cross docking, ou seja, sem inventário. O estacionamento passa a ser um dos grandes problemas para acomodar 1.300 carros todas as noites.
Já para a recarga, a empresa diz que não há um modelo único: em alguns casos, o Mercado Livre usa a operação de um parceiro logístico, ou sua própria infraestrutura. Ou, ainda, faz parcerias com empresas que fornecem carregamento como serviço.
O Grupo Raia Drogasil, por sua vez, mesmo com uma frota elétrica bem mais enxuta, tem veículos que voltam e dormem nos CDs ou têm um ponto de parada. O desafio é como fazer o carregamento desses veículos com a infraestrutura desses centros.
Em 2021, o GRD traçou uma meta de descarbonização: até 2030, precisam reduzir 42% em relação ao ano o inventário de 2021. A companhia cresce com 300 a 350 farmácias por ano. Com 70% de frota própria, o grupo tem em torno de 600 veículos.
“Quando a gente coloca carregadores rápidos, veículos e produtividade na frota, há um capex mais alto, mas você ganha em relação ao opex, seus custos de manutenção, a recarga é mais barata do que diesel. Então, esse desafio já está bastante discutido e superado”, explica Pereira.
“O segundo desafio agora é a infraestrutura. Nós conseguimos o capex para comprar caminhão, para conseguir infraestrutura, mas como conseguir viabilizá-la nos nossos CDs? Aí, entram, por exemplo, parceiros como a Eletricus, que pode nos ajudar a encontrar novos locais ou fazer parcerias. O próximo desafio agora é atuar em conjunto com empresas para conseguir essa infraestrutura”, conclui.
O Mercado Livre tem uma meta forte de descarbonização da operação inteira, com cálculos de geração de carbono por produto vendido. Mas o veículo elétrico ainda agrega em menor custo. Além disso, Fontes lembra da importância da telemetria e do planejamento da rota.
“Um veículo que faz uma rota de ida e volta de 100 km, talvez não precise carregar a bateria de forma completa. Eu consigo usar o mesmo carregador para três veículos. O diabo mora nos detalhes da logística, mas principalmente nos detalhes do veículo elétrico. Porque trazer um elétrico é muito mais um exercício financeiro de controle do que um exercício de descarbonização. Tem muita oportunidade e o elétrico está só começando”, sugere o gerente sênior do ML.
Ele completa que, hoje, diferentemente de cinco anos atrás, já é possível fazer uma logística melhor, mais verde e mais barata.
A empresa tem o dinheiro, o veículo e o carregador, mas não consegue fazer tudo isso funcionar porque não tem energia chegando no local. Na visão da Eletricus, o que muda o cenário é ter os serviços agregados.
“Imagine todas as atribuições dos nossos parceiros e eles têm que se preocupar onde vão carregar, se é 220 ou 380 volts, se a distribuidora está respondendo no prazo ou não”, cita Mendes.
E surgem os aprendizados. Por exemplo, nem sempre o carregador mais rápido é a solução. Mendes exemplifica que um caminhão do Mercado Livre chega na base por volta de 17h e ele só sairá no dia seguinte, às 7 horas. Então, não é preciso carregar essa van em 2 ou 3 horas.
“Eu posso carregá-la em 10 horas, ter outras vans carregando, porque durante aquele intervalo, apesar da potência menor, todas vão carregar. Tem que ter esse planejamento e estamos todos aprendendo. Dobramos o número de veículos, reduzimos pela metade a potência e está todo mundo feliz.”
O CEO da Eletricus ainda ressalta que a distribuição é extremamente regulada e complexa. E as distribuidoras são extremamente lentas. Ele compara a eletrificação com as telecomunicações dos anos 2000.
“Estamos vivendo o mesmo período para a questão da infraestrutura de recarga. É a parte mais onerosa e é uma das que tem menos custos. Quando eu pego a infra com o carregador, muitas vezes ela não dá 10%, 15% do projeto inteiro. E a empresa fica com o veículo parado por cinco meses porque não chegou a infra”, observa.
Fonte: https://automotivebusiness.com.br/pt/posts/mobility-now/desafios-gerenciar-frotas-eletricas-brasil/