A volta do carro popular apareceu nas últimas semanas como um potencial remédio para melhorar o cenário de vendas no país, que não conseguem decolar até os patamares de outros tempos. Segundo a Anfavea, a medida poderia injetar até 300 mil unidades no volume de vendas atual.
No entanto, assim como tem sido a vida das montadoras no mercado brasileiro nos útlimos três anos, resgatar os modelos de entrada não será tarefa fácil. A começar pela articulação das fabricantes em torno do tema – no lugar do acordo comum sobre a volta dos modelos mais simples e mais baratos, o que se projeta é uma possível discordância entre as empresas.
Fatos recentes mostram isso. Na segunda-feira, 10, durante a coletiva de divulgação dos resultados do trimestre, a Anfavea se esquivou do tema, com seu presidente, Márcio de Lima Leite, alegando isenção da entidade por considerar que o assunto é relativo às pretensões individuais das montadoras. E nisso a Anfavea não se intromete.
Na semana passada, o CEO da Volkswagen, Ciro Possobom, sinalizou em evento de lançamanto de uma fintech VW, que a montadora não estaria muito disposta a mudar as configurações dos seus veículos para torná-los mais acessíveis a um consumidor que viu seu poder de compra se deteriorar no últimos anos, fora a realidade de crédito caro e restrito com a qual se deparou ao cogitar financiar um veículo.
“Crédito é essencial ao carro popular no Brasil e governo precisa ajudar a fomentar. Por causa da legislação, subimos muito o valor do automóvel no Brasil, mas até que ponto é justo para o consumidor dar passos para trás nesse sentido? Não podemos oferecer carro menos seguro ou confortável só porque ele é popular”, disse o executivo.
“Imposto menor e facilitação do crédito seria o melhor caminho. Renovação de frota também seria uma opção. Oferecer um carro barato não resolve o problema do setor. Precisamos pensar em uma solução que atenda a indústria automotiva como um todo”, completou.
O discurso de Possobom e Volkswagen é antagônico ao de outro grande nome do setor automotivo nacional: no caso, a líder do mercado Stellantis. Há duas semanas, o CEO Antonio Filosa veio a público defender a volta do carro popular como uma forma de injetar mais volume às vendas atuais realizadas pelo setor.
Dias depois, o argumento foi endossado pela Fenabrave, a entidade que representa as concessionárias no país. Ambos defendem um regime tributário especial, oferta de crédito para a compra desses veículos e exigências específicas de segurança e tecnologia para evitar um alto conteúdo obrigatório que encareça o automóvel.
Aqui, um novo ponto de discordância entre as montadoras a respeito do carro popular. Se a Volkswagen acredita que o consumidor eventualmente não quer a supressão de itens dos modelos oferecidos hoje no mercado, outras montadoras estariam descontentes com os caminhos tributários que o assunto pode trilhar.
À reportagem, uma fonte ligada às fabricantes disse que a possibilidade de regime tributário especial é algo que já causa ruído entre as empresas, principalmente entre aquelas que não teriam condições de oferecer versões de entrada no curto-prazo.
“Já causa um mal-estar porque a ideia favorece apenas parte das empresas. Outras montadoras que não teriam uma solução a mão, e que enfrentam as mesmas condições de custo para produzir no país que as demais, se sentem prejudicadas com a possibilidade de incentivo”, disse o interlocutor.
A Anfavea se mostrou isenta a respeito do carro popular, mas sobre maneiras de se estimular as vendas de veículos novos no país a entidade defendeu, mais uma vez, o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, para a aquisição de automóveis. “Se o governo liberar, podemos superar o volume de vendas do ano passado”, contou Márcio de Lima Leite.
Não apenas superar o desempenho de 2022, mas também aumentar a participação das pessoas físicas nas vendas. “Se tirassemos as vendas para locadoras do total emplacado no trimestre, as vendas seriam negativas na comparação com as do ano passado”, finalizou o representante.